Coceira Íntima Insuportável? Nem Tudo é Candidíase

Se você sofre com uma coceira persistente na região íntima e já tentou de tudo, de cremes a comprimidos antifúngicos, sem sucesso, este post é para você.

No meu consultório, recebo frequentemente pacientes com um histórico de anos de coceira crônica, muitas vezes erroneamente atribuída apenas à candidíase vulvovaginal recorrente.

É um ciclo exaustivo e frustrante.

Mulheres que já usaram diversos tratamentos – cremes vaginais, comprimidos orais de dose única ou semanais, banhos de assento – sem conseguir alívio duradouro.

Essa coceira insuportável não só diminui a qualidade de vida, como também pode afetar a autoestima e até mesmo o interesse sexual, tornando o ato doloroso.

Essas pacientes chegam angustiadas e, muitas vezes, descrentes de que existe um tratamento eficaz para o seu sofrimento.

A candidíase vulvovaginal afeta um percentual significativo de mulheres, e muitas delas apresentarão a condição mais de uma vez ao ano. No entanto, nem toda coceira é candidíase, e é aí que entra a importância de um diagnóstico preciso.

O exame de vulvoscopia: O aliado do diagnóstico

Para investigar a verdadeira causa da coceira crônica, um exame essencial é a vulvoscopia.

O objetivo desse procedimento é analisar de forma detalhada a anatomia, a pele e a mucosa da região vulvar sob magnificação. Ele pode ser realizado no próprio consultório, utilizando um colposcópio ou uma lupa dermatológica, que ampliam a imagem em até 40 vezes, permitindo a visualização de alterações sutis que seriam imperceptíveis a olho nu.

O exame é indolor, não necessitando de anestesia.

Apenas em casos específicos, quando há indicação de biópsia para uma avaliação microscópica mais aprofundada de alguma alteração na pele, um pequeno botão anestésico local é utilizado.

A biópsia é importante para fazer o diagnóstico diferencial entre as diversas doenças dermatológicas que podem afetar a vulva, pois permite a análise histopatológica do tecido, identificando padrões celulares e inflamatórios específicos de cada condição.

A expertise do médico: O componente fundamental da vulvoscopia

No entanto, mais importante do que o equipamento moderno utilizado no exame – seja um colposcópio avançado ou uma lupa dermatológica – é a expertise e o olhar clínico especializado do médico que o realiza.

Um aparelho de ponta é uma ferramenta valiosa, mas é o conhecimento aprofundado do profissional que realmente faz a diferença.

É fundamental que o ginecologista que conduz sua vulvoscopia tenha uma vasta experiência e um conhecimento sólido sobre a complexa gama de doenças que podem afetar a pele e as mucosas da região íntima.

Isso inclui não apenas as condições mais comuns, mas também aquelas doenças dermatológicas vulvares mais raras, que muitas vezes não são amplamente conhecidas ou são de difícil diagnóstico.

Somente um profissional com essa formação e sensibilidade para identificar nuances poderá desvendar a verdadeira causa de uma coceira persistente, de manchas ou de pequenas lesões na vulva que incomodam há tempos.

O conhecimento detalhado é a chave para um diagnóstico preciso e, consequentemente, para um tratamento eficaz que traga alívio e qualidade de vida.

Além da candidíase: As verdadeiras causas da coceira vulvar

Isso mesmo: como mencionei, nem tudo que coça na vulva é candidíase!

A região vulvar pode ser afetada por diversas condições dermatológicas, as quais podem provocar uma coceira intensa e persistente.

Entre as mais comuns, destacam-se:

1. Líquen Simples Crônico: O círculo da coceira insuportável

O Líquen Simples Crônico é uma alteração de pele que surge como consequência do ato repetitivo de coçar e esfregar a pele.

A irritação inicial pode ter sido causada por uma candidíase, uma dermatite de contato, um processo alérgico ou até mesmo estresse, mas a coçadura em si promove um espessamento da pele (liquenificação), que pode se assemelhar a uma "pele de elefante" ou casca de árvore. Essa pele espessada torna-se mais sensível e irritável, com aumento das terminações nervosas, o que intensifica ainda mais a sensação de coceira.

É um verdadeiro círculo vicioso: a paciente sente coceira e esfrega a pele; o ato de esfregar engrossa essa pele; a pele espessada, por sua vez, aumenta a coceira; e a paciente continua a esfregar, engrossando ainda mais a pele.

Neste cenário, tratar apenas uma possível candidíase não resolverá o problema; o tratamento dessa pele espessada é fundamental.

2. Líquen Escleroso: Uma condição crônica que merece atenção

O Líquen Escleroso é uma doença dermatológica inflamatória crônica, de provável etiologia autoimune, que afeta principalmente mulheres em qualquer idade, mas com picos na pré-puberdade e pós-menopausa.

A pele dos pequenos e grandes lábios tende a ficar esbranquiçada, atrófica (fina e frágil, com aspecto de "papel de cigarro") e com aspecto enrugado.

A doença pode se estender para a região perianal, formando um padrão em "oito".

Outros achados incluem equimoses (pequenos sangramentos), telangiectasias (vasos sanguíneos dilatados) e fissuras.

Se não for diagnosticada e tratada precocemente, a doença pode progredir, levando à perda da arquitetura vulvar normal, com a diminuição da distinção entre os lábios (fusão labial), a reabsorção do clitóris (encapsulamento clitoriano) e, em alguns casos, até mesmo o estreitamento da entrada da vagina (estenose introitual), dificultando ou impedindo o ato sexual e a higiene.

É importante ressaltar que o Líquen Escleroso, se não controlado, apresenta um pequeno risco (cerca de 3-5%) de transformação maligna para carcinoma de vulva.

 A boa notícia é que, com diagnóstico e tratamento adequados no início, essas complicações podem ser evitadas, e o risco de malignidade reduzido com acompanhamento regular.

3. Psoríase Vulvar: Manchas e escamas que coçam

A Psoríase Vulvar é outra doença dermatológica que pode causar uma coceira significativa na região vulvar.

Embora a psoríase seja uma doença sistêmica que pode afetar a pele em diversas partes do corpo, incluindo couro cabeludo, cotovelos e joelhos, a forma vulvar pode ocorrer isoladamente ou como parte de uma apresentação mais generalizada.

Ela é caracterizada por placas ou manchas avermelhadas (eritematosas), bem demarcadas, que podem ser brilhantes e apresentar pouca ou nenhuma escamação prateada típica da psoríase em outras áreas, devido à umidade e oclusão da região.

A coceira é um sintoma comum e pode ser intensa.

O diagnóstico diferencial é importante, pois a psoríase vulvar pode ser confundida com infecções fúngicas ou dermatite de contato.

4. Dermatite de Contato: A Reação a Irritantes e Alérgenos

A Dermatite de Contato é uma causa extremamente comum de coceira e irritação vulvar, muitas vezes subestimada. Ela ocorre quando a pele da vulva reage a substâncias irritantes ou alérgenas.

  • Dermatite de Contato Irritativa: É a forma mais comum e resulta da exposição repetida ou prolongada a substâncias que danificam diretamente a barreira cutânea. Exemplos incluem sabonetes perfumados, duchas vaginais, lenços umedecidos, desodorantes íntimos, espermicidas, lubrificantes, suor excessivo, urina, ou até mesmo o atrito de roupas apertadas e sintéticas. A pele fica avermelhada, inchada, com fissuras e intensa coceira ou queimação.
  • Dermatite de Contato Alérgica: Ocorre quando o sistema imunológico reage a uma substância específica (alérgeno) após uma sensibilização prévia. Alérgenos comuns na região vulvar incluem fragrâncias, conservantes (como parabenos e isotiazolinonas), corantes presentes em produtos de higiene íntima, látex (em preservativos), níquel (em botões de calças apertadas) e certos componentes de medicamentos tópicos. A reação pode ser mais tardia e persistente, com lesões que podem variar de eritema e edema a vesículas e bolhas.

A Importância do Diagnóstico Correto e Tratamento Especializado

O que observo em muitos casos é que o ginecologista pode tratar a infecção por cândida, mas se não houver um foco na alteração dermatológica subjacente, a coceira persistirá.

O tratamento eficaz de condições vulvares crônicas exige uma abordagem personalizada e, muitas vezes, de longo prazo, que vai além do alívio imediato dos sintomas.

Isso inclui a educação da paciente sobre a sua condição, a identificação e eliminação de fatores desencadeantes, e a adesão rigorosa ao tratamento prescrito.

Portanto, se o seu ginecologista sugerir ou solicitar uma vulvoscopia para uma avaliação mais detalhada da região vulvar, não hesite! É um passo importante para um diagnóstico correto e um tratamento eficaz.

Procure um profissional experiente e agende seu exame o quanto antes para encontrar o alívio que você merece.

Artigo por Dra. Flávia Menezes (CRM RJ: 62429-2 / RQE: 51496) – Ginecologista com qualificação em patologias do trato genital inferior e colposcopia (2009).

Fontes Consultadas (Bibliografia):

  1. Farage, Miranda A., and Howard I. Maibach, editors. The Vulva: Physiology and Clinical Management. 2nd ed., CRC Press, 2018.
  2. Wilkinson, E. J. (2015). Atlas de Doenças da Vulva (2a ed.). Thieme Revinter.
  3. Val, I., Aidé, S., & Furtado, Y. (2022). Doenças da Vulva - Atlas, Diagnóstico e Tratamento. Thieme Revinter.

Dra. Flávia Menezes - CRM: 5262429-2 / RQE:51496

Dra. Flávia Menezes
CRM: 5262429-2 / RQE:51496

Médica Ginecologista e Colposcopista.

Especialista em Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia (PTGI).

Mais de 20.000 exames de colposcopia realizados.

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Sobre mim

Médica formada pela UFRJ com mais de 20 mil exames de colposcopia realizados. Formada em ginecologia e especialista em HPV.

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