Exame preventivo: 5 principais dúvidas

Você sabe que a prevenção é a chave para uma vida saudável, certo?

Especialmente quando o assunto é saúde feminina, o exame ginecológico preventivo – tão fundamental – deveria ser uma prioridade.

No entanto, o que observo na prática do meu consultório é que muitas pacientes deixam passar um tempo excessivo entre uma consulta ginecológica e outra.

Isso me leva a refletir: será que ainda existem dúvidas sobre a real importância do exame preventivo? O que leva tantas mulheres a adiarem ou até mesmo ignorarem essa etapa crucial para o seu bem-estar?

Por esse motivo, decidi responder às cinco principais dúvidas sobre o exame preventivo. Vamos a elas!

1. Para que serve o exame de Papanicolau, também chamado de exame preventivo?

O Papanicolau, ou simplesmente "preventivo", é um dos exames mais importantes na ginecologia. Como o próprio nome sugere, ele serve para prevenir o câncer de colo do útero.

Sua função primordial é rastrear e detectar alterações nas células do colo do útero que podem ser causadas, principalmente, pela infecção persistente pelo Vírus do Papiloma Humano (HPV).

O HPV é o principal agente causador do câncer de colo do útero, sendo responsável por praticamente todos os casos.

O Papanicolau identifica lesões pré-cancerígenas ou até mesmo o câncer em estágios iniciais, permitindo que sejam tratadas antes que evoluam para um câncer invasivo.

É fundamental entender:

  • O Papanicolau é um exame de rastreamento (screening), não um exame diagnóstico definitivo. Ele sinaliza a necessidade de investigação adicional caso haja alterações.
  • Não serve para "ver" se há corrimento ou outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), embora o exame possa, incidentalmente, identificar sinais de inflamação ou infecções vaginais (como candidíase, vaginose bacteriana ou tricomoníase) que seu médico investigará separadamente.
  • Não detecta o vírus HPV em si (sua presença genética), mas sim as alterações celulares que ele pode provocar. Existem testes específicos para detecção do HPV (como o teste de captura híbrida ou PCR para HPV, que identifica o DNA viral) que podem complementar o Papanicolau em situações específicas, especialmente na detecção de tipos de HPV de alto risco.
  • A qualidade da amostra, coleta pelo seu ginecologista, é fundamental para a acurácia do exame.
  • Diante de um resultado alterado no Papanicolau, seu ginecologista avaliará a necessidade de outros exames, como a colposcopia com biópsia, se necessária.

2. Meu preventivo sempre foi normal e agora está alterado. Posso ter HPV e meu preventivo ser normal?

Sim, é absolutamente possível ter o vírus do HPV mesmo com um resultado de Papanicolau normal. Essa é uma das razões pelas quais a periodicidade do exame é tão importante!

O exame preventivo, como qualquer outro teste diagnóstico, não possui 100% de sensibilidade. Isso significa que ele pode, ocasionalmente, não detectar as células alteradas pelo HPV. Desta forma, pode ocorrer um "falso negativo".

Isso pode ocorrer devido a:

  •  Erro de amostragem: As células anormais podem não ter sido coletadas adequadamente.
  • Lesões muito iniciais: As alterações celulares podem ser tão sutis que não são visíveis ao microscópio no momento da coleta.
  • Baixa carga viral: O vírus pode estar presente, mas ainda não ter causado alterações celulares detectáveis.

Além disso, o vírus HPV pode estar presente no seu organismo sem ter causado ainda alterações celulares visíveis no momento da coleta.

A infecção por HPV é muito comum e, na maioria das vezes (cerca de 90% dos casos), o sistema imunológico consegue eliminar o vírus espontaneamente em até dois anos, sem que a mulher desenvolva qualquer lesão.

A boa notícia é que o câncer de colo do útero é de crescimento lento. Ele leva anos (geralmente 10 a 20 anos) para se desenvolver a partir de lesões pré-cancerígenas. É por isso que a regularidade dos exames é tão importante: ao repeti-los periodicamente (geralmente a cada 1 a 3 anos, dependendo das diretrizes e histórico), mesmo que um resultado pontual escape à detecção, a próxima coleta terá a chance de identificar qualquer alteração, garantindo que você receba o tratamento no tempo certo.

O Papanicolau funciona como um programa de rastreamento contínuo, onde a repetição aumenta a chance de detecção de lesões ao longo do tempo.

Portanto, se o seu Papanicolau veio alterado após exames anteriores normais, não se desespere! Isso é um indicativo de que o sistema de rastreamento está funcionando. Siga a orientação do seu médico para a próxima etapa, que geralmente envolve a investigação da causa da alteração.

3. O que é ASC-US?

ASC-US é a sigla para "Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance" (Células Escamosas Atípicas de Significado Indeterminado).

O que significa ASC-US?

Quando o patologista analisa a lâmina do seu preventivo no microscópio, ele detecta algumas células que não parecem totalmente normais, mas que também não são claramente indicativas de uma lesão causada pelo HPV ou de câncer. Ou seja, ele observa uma "atipia celular de causa não determinada". As alterações são sutis e insuficientes para classificar a lesão como NIC 1 ou superior.

Quais podem ser as causas do ASC-US?

Essa alteração pode ser causada por diversos fatores, além do HPV, como:

  • Inflamações: Por exemplo, devido a infecções vaginais (como vulvovaginite por fungos, bactérias ou protozoários), cervicite (inflamação do colo do útero), ou mesmo irritação por uso de DIU.
  • Atrofia vaginal: Ressecamento das paredes vaginais, comum na menopausa ou em mulheres em período de amamentação, devido à diminuição dos níveis de estrogênio.
  • Reparo celular: Células em processo de regeneração fisiológica ou após alguma lesão ou inflamação.
  • Trauma leve: Na coleta do exame, que pode gerar alterações reativas nas células.
  • Infecção por HPV: Embora não seja possível classificar a alteração como uma lesão específica do HPV, a infecção pode ser a causa subjacente.

O patologista não consegue afirmar com certeza que é uma lesão por HPV, mas alerta o ginecologista para a necessidade de investigação adicional, pois uma pequena porcentagem dos casos de ASC-US pode estar associada a lesões de alto grau ou, mais raramente, a câncer.

O que fazer com um resultado de ASC-US?

Diante de um resultado ASC-US, o ginecologista avaliará o melhor caminho.

As condutas mais comuns incluem:

  • Repetir o Papanicolau em um período de 6 a 12 meses. Essa é uma opção comum, pois muitas dessas alterações regridem espontaneamente.
  • Realizar um teste específico para a presença de HPV de alto risco (PCR para HPV com genotipagem) na mesma amostra do Papanicolau ou em uma nova coleta. Se o teste para HPV de alto risco for positivo, a paciente é encaminhada para colposcopia. Se for negativo, o acompanhamento com Papanicolau periódico é mantido. Esta é a conduta preferencial em muitos países.
  • Em alguns casos, especialmente em pacientes com fatores de risco ou idade mais avançada, pode-se indicar diretamente a colposcopia para uma avaliação mais detalhada.

A decisão dependerá da idade da paciente, de seu histórico clínico, da disponibilidade de outros testes e das diretrizes clínicas locais.

4. O que é NIC 1 ou Neoplasia Intraepitelial Cervical de Baixo Grau (LSIL)?

NIC 1 ou LSIL (Low-grade Squamous Intraepithelial Lesion) significa Neoplasia Intraepitelial Cervical de Baixo Grau.

O que significa NIC 1?

São alterações celulares que o patologista classificou como uma lesão de baixo grau. O termo "intraepitelial" significa que as alterações estão confinadas à camada mais superficial do epitélio (revestimento) do colo do útero e não invadiram as camadas mais profundas ou o tecido conjuntivo subjacente.

O que fazer com um resultado de NIC 1 (LSIL)?

 A boa notícia é que as lesões de baixo grau (NIC 1) têm uma alta chance de desaparecer espontaneamente. O próprio sistema imunológico do corpo, na maioria das vezes, consegue eliminar o vírus e reverter essas alterações. Estudos mostram que cerca de 60% a 70% das lesões de NIC 1 regridem em até dois anos.

Considera-se uma infecção persistente pelo HPV quando o organismo não consegue eliminar o vírus em um período de cerca de 2 anos. É essa persistência do HPV de alto risco que é o principal fator de risco para o desenvolvimento de lesões de alto grau (NIC 2/3) e, a longo prazo, o câncer de colo do útero.

Fatores como tabagismo e imunossupressão podem dificultar a regressão da lesão. Logo, pare de fumar!

Na maioria dos casos de NIC 1, a conduta é o acompanhamento atento, com repetição do Papanicolau e/ou colposcopia em intervalos definidos pelo médico (geralmente a cada 6 ou 12 meses), aguardando a regressão espontânea da lesão.

A intervenção cirúrgica raramente é necessária para NIC 1, a menos que haja persistência da lesão por mais de 2 anos ou progressão para uma NIC 2.

5. O que é NIC 2, NIC 3 ou Neoplasia Intraepitelial Cervical de Alto Grau (HSIL)?

NIC 2, NIC 3 ou HSIL (High-grade Squamous Intraepithelial Lesion) significam Neoplasia Intraepitelial Cervical de Alto Grau.

O que significa NIC 2 ou NIC 3 (HSIL)?

Essas são alterações celulares mais avançadas e mais significativas do que as de baixo grau. Elas envolvem uma proporção maior da espessura do epitélio do colo do útero e são consideradas lesões pré-cancerígenas.

  • NIC 2 (displasia moderada): As células anormais ocupam os dois terços inferiores do epitélio.
  • NIC 3 (displasia severa ou Carcinoma in situ - CIS): As células anormais ocupam mais de dois terços ou toda a espessura do epitélio, mas ainda sem invasão da membrana basal (a camada que separa o epitélio do tecido subjacente).

É importante entender que HSIL ainda NÃO É CÂNCER INVASIVO, mas é uma lesão que, se não tratada, tem um risco significativamente maior de evoluir para câncer invasivo ao longo do tempo (em até 30-50% dos casos de NIC 3 não tratados).

O que fazer com um resultado de NIC 2 ou NIC 3 (HSIL)?

Ao contrário das lesões de baixo grau, as lesões de alto grau (NIC 2 e NIC 3 / HSIL) dificilmente apresentarão cura espontânea, exceto em situações muito específicas, como em jovens com menos de 25 anos, onde o potencial de regressão é maior e uma conduta de observação pode ser considerada, mas com acompanhamento rigoroso e individualizado.

Na grande maioria dos casos, essas lesões necessitam de tratamento para a retirada da área afetada.

O objetivo é remover todas as células anormais para prevenir a progressão para câncer invasivo.

O procedimento mais comum e eficaz é a conização por cirurgia de alta frequência (CAF), também conhecida como LEEP (Loop Electrosurgical Excision Procedure) ou excisão eletrocirúrgica com alça.

Benefícios do conização por CAF/LEEP:

  • Diagnóstico e Terapêutico: Além de remover a lesão, o tecido excisado é enviado para análise patológica, confirmando o diagnóstico e a extensão da lesão, e garantindo que as margens estejam livres de células anormais.
  • Alta taxa de sucesso: As taxas de cura para essas lesões de alto grau são altíssimas (acima de 90%) quando o tratamento é realizado adequadamente.

Após o procedimento, é fundamental um acompanhamento rigoroso com Papanicolau e/ou teste de HPV periódicos para monitorar a recorrência da lesão ou a persistência do vírus.

Sua saúde é sua maior prioridade!

Não adie seus exames ginecológicos.

Eles são a sua principal ferramenta para garantir bem-estar e tranquilidade, permitindo a detecção precoce e o tratamento eficaz de condições que, se não abordadas, poderiam ter sérias consequências.

Artigo por Dra. Flávia Menezes (CRM RJ: 62429-2 / RQE: 51496) – Ginecologista com qualificação em patologias do trato genital inferior e colposcopia (2009).

Fontes Consultadas (Bibliografia):

  1. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer. José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro: INCA, 2019.
  2. Apgar B., Colposcopia: Princípios e Práticas. Atlas e Texto. Segunda edição. Capítulo 7. 129-158
  3. Mayeaux. Tratado & Atlas – Colposcopia Moderna. ASCCP. Capítulo 7. 129-159
  4. 2019 ASCCP Risk-Based Management Consensus Guidelines for Abnormal Cervical Cancer Screening Tests and Cancer Precursors. Perkins, Rebecca B.; Guido, Richard S, then et al. Journal of Lower Genital Tract Disease: April 2020 – Volume 24 – Issue 2 – p 102 – 131.

Dra. Flávia Menezes - CRM: 5262429-2 / RQE:51496

Dra. Flávia Menezes
CRM: 5262429-2 / RQE:51496

Médica Ginecologista e Colposcopista.

Especialista em Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia (PTGI).

Mais de 20.000 exames de colposcopia realizados.

Leia outros posts do blog

logo dra flavia maenezes

Sobre mim

Médica formada pela UFRJ com mais de 20 mil exames de colposcopia realizados. Formada em ginecologia e especialista em HPV.

Contato

WhatsApp: (21) 96778-8617
Endereço: Avenida Rio Branco, 156, sala 2805 - Centro - Rio de Janeiro/RJ
graduation-hat linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram